
Para abrir e fechar* as hostilidades: nunca lhe perdoarei aquela de colocar o Aloísio a defesa-esquerdo em Camp Nou.
Tínhamos saído da gloriosa jornada de Feyenoord, em que o Ivic colocou o maior autocarro do mundo à frente da baliza, e como não resistiu ao apelo da Federação Croata lá tivemos de abrir mão do homem. Por mero acaso José Mourinho tinha sido despedido de tradutor da lagartagem, e PdC usando a sua enorme perspicácia decidiu contratá-lo, no pacote veio um tal de Bobby Robson.
Qual Desejado, foi num dia de nevoeiro que chegou às Antas onde ainda não tinha chegado a moda dos centros de estágio e dos treinos à porta fechada, e foi o último treinador de quem acompanhei de quando em vez os treinos. E se sentado no banco de suplente, naqueles 90 minutos, sempre o achei uma "nódoa", o mesmo já não digo dos seus treinos. O homem tinha paixão pelo jogo e transmitia isso a todos que o rodeavam. Era um prazer ver aqueles treinos e aqueles jogos e ver que o seu grau de exigência era sempre elevado.
Lembro-me numa semana que antecedeu um Porto - ben7fica, de o ver nos treinos dessa semana a insistir com uma jogada entre o Secretário e o Drulovic. O Secretário avançava pela direita, centrava para o segundo poste onde aparecia o Drulo a rematar, e ele a insistir para o Drulo rematar para o second poste. E vai mais uma vez, e outra, e outra e sempre: "DRULOVIC, SECOND POSTE". No dia do jogo, lá vai o Secretário pela direita, centra e aparece a bola à frente do Drulo, este remata ao 1º poste e permite a defesa ao guarda-redes. Só me lembro de olhar para o banco e vê-lo quase a arrancar cabelos. Na semana seguinte lá estava a sua boa disposição novamente nos treinos e a insistir mais uma vez com o Drulo.
Hoje foi a doença que lhe arrancou os cabelos, depois de ter insistido, uma e outra e outra e outra e outra vez sempre com o mesmo sorriso. Um dia destes vamos abrir o browser, o jornal, ligar a rádio ou receberemos um mail e lá vai estar a notícia a anunciar-nos o inevitável.
Nesse dia vou recordar o homem do killer instinct, que num dia de goleada 5-0 ao Tirsense (com 5-0 ao intervalo), mandou uma rabecada valente aos jogadores por terem relaxado na 2ª parte - e fez questão de o dizer na conferência de imprensa.
De uma entrevista à revista Dragões:
Desenvolvemos bem o conceito de Killer Instinct. Tentámos manter um ascendente permanente. Procuramos estar sempre em boa posição durante todo o jogo. Não nos interessa iniciar o desafio com calma porque ainda está nos primeiros minutos e é preciso primeiro aguentar e assentar o jogo. É claro que isso é importante, mas não é suficiente para o FCPorto, já que pretendemos dar pelo menos a ideia de que vamos ganhar. É evidente que nem sempre resulta mas a intenção está lá e é só uma: ganhar. Então, se marcamos um golo está bem, é óptimo, mas vamos lá tentar outro. E se obtivermos outro, excelente, mas o jogo continua e vamos procurar ainda outro golo. Temos de continuar a atacar e atacar, para obtermos tantos golos quanto pudermos.
Tenho pena que esta filosofia de futebol (e de vida) esteja arredada de algumas cabeças que por aí andam, e que muitas pessoas se contentem só com vitórias. Que não se procure a excelência, dia após dia.
E porque é que o público começou a regressar ao estádio? Porque gostam do que veêm. É um divertimento. Se se pretende ter o público de volta ao futebol é preciso entretê-lo, dar-lhe espectáculo. Porque é que se vai ver um filme? Porque é um bom filme. Se for mau as pessoas não vão. Com o futebol passa-se o mesmo. Se a equipa estiver a jogar mal, as pessoas não vão ver. Logo, o futebol é uma forma de espectáculo.
Espectáculo é também a forma como tem lutado contra os cancros, e hoje que é o Dia Mundial da Luta Contra o Cancro, o seu exemplo deve ser devidamente realçado.
Sir Bobby Robson, aqui lhe deixo o meu Obrigado pelo seu exemplo de perseverança, de paixão pela vida e de paixão pelo futebol.
* Fechar é como quem diz. Também não me esqueço do Mogrovejo, Walter Paz, N'Tsunda e Mandla Zwane ou o ostracismo a que chegou a votar o Domingos. O que verdadeiramente o safa foi o seu empenhamento em que o relvado das Antas fosse trocado e termos tido nos últimos anos do Estádio das Antas o melhor relvado que alguma vez se viu num estádio de futebol."
* Este texto de João Saraiva, gentilmente cedido - que é como quem diz, retirado - de
http://reflexaoportista.blogspot.com/, condensa grande parte do meu pensamento sobre Bobby Robson, pelo que, excepcionalmente, decidi transcrevê-lo.
Lembro-me de Bobby Robson ainda no Sporting a lançar Juskowiak na segunda parte de um Sporting-Porto/Benfica? que foi trasmitido pela SIC, numa das suas primeiras transmissões de futebol. Sem vedetismos, acedeu a responder a uma pergunta do reporter, durante o jogo, sobre a entrada do jogador polaco naquele momento. Respondeu: He's good, he's fresh, com um sorriso de orelha a orelha. Ele estava a vibrar com o jogo.
Robson foi também o "pai" do Penta e dos 5-0 em Bremen. E de célebres expressões como: "passe precise" e "killer instinct". Foi também ele que nos trouxe as pérolas já referidas no texto de João Saraiva e ainda...Ronald Pablo Baroni Ambrosi ou, simplesmente, Baroni! Depois lá foi embora e levou-nos o Baía para Barcelona.
Está perdoado e volte sempre!
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PS: Que o "killer instinct" regresse no próximo domingo no Dragão e consigamos a vitória que nos passou ao lado, em Setembro, na Luz.